quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Alternativas para substituir a lenha do cerrado



Click na foto para expandir



Uso de biomassa compatada para substituir a lenha em fornos industriais.
Autor: Ramon M Padilha - 26-11-2008

Objetivo: reduzir gradativamente os desmatamentos de estoques de matas nativas do cerrado sul-mato-grossense.



Venho, neste espaço, buscando chamar a atenção e o interesse das pessoas para a realidade da devastação das matas nativas do cerrado sulmatogrossense.

Quem são os grandes vilões? - esclareço: apesar de existirem os vilões, meu principal objetivo não é o de nominá-los - com cnpj e endereço, mas o de buscar soluções viáveis para a substituição da lenha por insumos mitigadores do desmatamento dos estoques nativos de plantas do cerrado.

Quem e por que desmatam o nosso cerrado?


I – O fator necessidade e também a falta de consciência ecológica

É certo que ninguém pega um trator ou um motoserra e se adentra cerrado à dentro somente com o objetivo de destruir o cerrado. Uma grande maioria desmata o cerrado com objetivo de uso dos bens naturais que dele advém, principalmente a questão de uso das árvores nativas cortadas, como lenha, tanto para queima nos fornos industriais quanto para fabricação do carvão.

A pessoa que desmata, toma essa atitude pelos seguintes motivos:

1. Falta de consciência presente do valor de preservar os recursos nativos florestais do cerrado.

2. Necessidade financeira imediata.

3. Uso dos recursos florestais do cerrado para transformar em dinheiro, através de processos produtivos.

4. Uso dos recursos florestais do cerrado para movimentar indústrias que necessitam de energia calorífica. Que são essas indústrias? São indústrias cerâmicas, siderúrgicas, padarias, indústrias de óleos vegetais (soja, milho, canola e outros); pequenas indústrias de alimentos e de transformação, etc.

Pergunto: será que a população tem noção da quantidade de áreas do cerrado que são devastadas diariamente? Será que tem noção da quantidade de lenha nativa que é queimada todo dia nos fornos industriais?

Posso responder que são toneladas e toneladas... no conjunto de espécies nativas cortadas, tem árvores de todas as espécies... ou dá pra pensar que aqueles que estão lá no meio do cerrado, cortando árvores para queimar como lenha, estariam escolhendo que tipos de árvores cortar?

Corta-se todo tipo de árvore... a que vier pela frente. E quanto aos locais?
Cortam-se árvores que protegem nascentes;
cortam-se árvores que protegem as matas ciliares dos córregos e rios;
cortam-se árvores que protegem os topos de morros e as encostas;
cortam-se árvores nos corredores ecológicos naturais;
corta-se árvore de todo tipo e tamanho e em qualquer lugar onde ela estiver disponível.
São milhares de hectares de cerrado nativo que sofrem depredação de forma continua e permanente.

II – Como mitigar essa devastação do Cerrado?

Podemos fazer uma reflexão teórica: através da compensação pelo plantio de novas áreas, etc., mas, penso que teoria e discursos de defesa do cerrado, até agora não estão sendo eficazes para conter o desmatamento.

Quantas sociedades de defesa já foram criadas? O discurso da “defesa” é um discurso ineficaz e ultrapassado! Precisamos de soluções práticas e eficazes.

III – Uma experiência de solução a essa prática predatória dos recursos florestais do cerrado.

Acionei parceiros do Instituto Samaúma para visitar uma indústria cerâmica e verificar “in loco” a verdadeira realidade daquela indústria.

Cito a seguir a experiência realizada.

a) - Primeiro foi feito um diagnóstico de consumo diário de lenha nativa do cerrado.

b) -Volume: três caminhões por dia de madeira semi-triturada, para queima diária nos fornos da indústria.

c) -Solução: pedimos à Cerâmica para fazer uma experiência de queima de biomassa compactada. Essa biomassa compactada foi feita por nossos parceiros, com a colheita de resíduos de leguminosas provenientes de uma área utilizada para produção de sementes de pastagens. Essa biomassa residual está sendo reaproveitada como insumo de queima.

d) -Receita da mistura: 50% de lenha triturada e 50% de resíduos da planta leguminosa (talos, folhas secas).

e) -Resultado: mesmo poder calorífico com redução de consumo de 50% da lenha do cerrado.

Próximos passos:

a) substituição gradativa da lenha do cerrado por biomassa compactada, oriunda dos campos com produção de gramíneas e leguminosas;

b) a substituição será gradativa, pois ainda há necessidade de monitorar de forma técnica e científica as demais abordagens da experiência.

Fato real positivo da experiência realizada:
- mitigação real do uso da lenha proveniente de desmatamentos do cerrado.

Resultado possível – comparativo inicial

No dia 10 de novembro deste ano, publiquei neste blog o artigo,
Problemática: solução alternativa à lenha na alimentação dos alto-fornos de uso industrial . Depois daquele artigo, decidi, com os parceiros do Instituto, fazer uma experiência local - esta que estou narrando.
Reproduzimos nesse dia, aqui neste blog, um fragmento do artigo publicado na mídia local , a respeito do consumo de 450 mil toneladas/ano de lenha somente por uma indústria da região, sendo que cerca de 400 mil toneladas/anual, são obtidas com o corte de mata nativa do cerrado.
Os senhores e senhoras poderiam perguntar, mas de onde sair tanta biomassa para substituir a lenha do cerrado?


Respondo, junto com minha equipe e com setores da universidade envolvidos nas pesquisas:

  • da produção de leguminosas e gramíneas apropriadas, reaproveitando o espaço existente de áreas degradadas e já desmatadas.

  • Além do plantio de leguminosas, nessas áreas, fazendo o reaproveitamento territorial, sem devastar nenhuma árvore sequer, o plantio de leguminosas e gramíneas apropriadas pode também servir para uso em outras finalidades ao mesmo tempo:


a) enriquecimento de pastagens para o gado;
b) enriquecimento do solo, pois tem alta capacidade de fixar nitrogênio e “adubar” ;
c) alimento para o gado;
d) produção de sementes (para reprodução de novos campos em áreas degradadas e desmatadas);
e) massa residual como insumo para compactação e queima nos fornos industriais, substituindo, mitigando e reduzindo a necessidade de realizar desmatamentos das matas do cerrado.


Benefícios identificados:


a) econômicos - para o pecuarista, pois haverá o enriquecimento das pastagens, o enriquecimento do solo, a produção de sementes e o uso residual da biomassa como combustível substituto da lenha do cerrado;


b) ecológicos - para a fauna, a flora nativa e os recursos hídricos, pois não haverá mais necessidade de destruir os habitats naturais para a biodiversidade do cerrado;


c) desaquecimento – pois o plantio de leguminosas, conforme o projeto do Instituto Samaúma e com apoio de pesquisas científicas da universidade, geram o seqüestro de carbono da atmosfera, sendo o seu ciclo produtivo de curta duração e de renovação verde perene.


IV - Decisões práticas e estratégicas necessárias para ampliar estes benefícios de substituição da lenha do cerrado por biomassa compactada

1. Políticas públicas com base em experiências (é o que estamos fazendo, evitando o discurso da defesa e demonstrando de forma prática, ou seja foco na solução.)


2. Despertar o interesse ecológico das indústrias que utilizam a lenha (além do eucaliptus, que também é prejudicial para a fauna , flora nativa e recursos hídricos– este é um assunto à parte para tratarmos oportunamente. Ao invés de investir em florestas comerciais como a tão propalada monocultura do eucaliptus, vamos investir na recuperação de áreas desmatadas e degradadas com aplicação de leguminosas que além de enriquecer o solo, permitem o sombreamento das pastagens com espécies nativas e a recuperação de matas ciliares, áreas de nascentes e adensamento de corredores ecológicos. Plantar eucaliptus para uso em construção ecológica é uma boa oção, mas de forma ecologicamente gerida. Eu particularmente conheço as experiências com a monocultura do eucaliptus em Minas Gerais, e monitorei de perto os largos prejuízos do cultivo desta árvore exótica contra os ecossistemas nativos e recursos hídricos.)


3. Penso ser estrategicamente viável formar alguns campos experimentais, como projetos-piloto para uso destas alternativas de biomassa compactada para substituição do uso tradicional da lenha nos fornos industriais. Em nossa rede de parceiros, temos um parque de máquinas apropriado para fomentar esta atividade, visando a produção de biomassa compactada para substituição gradativa da lenha do cerrado.


4. O Instituto Samaúma, se propõe a junto com as indústrias interessadas, atuar em projetos objetivos que tenham por finalidade principal substituir a lenha por biomassa compactada. Neste objetivo específico já firmamos intenção de convênio com algumas universidades para acompanhamento e monitoramento técnico-científico destas experiências.


5. Nosso pensamento, como Instituto, não é de apontar os vilões, mas de estudar a nossa realidade e buscar soluções conjuntas para criar ambientes mais saudáveis com conseqüente preservação das florestas nativas e recursos naturais.

6. Oferecer nossa contribuição para que as indústrias continuem a produzir de forma eficiente, mas com respeito integral ao meio ambiente e às leis que regulam boas práticas economicamente ecológicas.

Indústrias... façam contato! Queremos auxiliar na viabilidade de experimentar estas boas práticas de substituição da lenha do cerrado com experiências ecologicamente viáveis. Vamos identificar e construir juntos um projeto-piloto devidamente monitorado?


Ramon Padilha
Diretor executivo do Instituto Samaúma Ecologia e Desenvolvimento
e-mail: ramonecologia@gmail.com

Nenhum comentário: